(Obs: o contexto é Dourados-MS, mas acredito que se aplica a várias cidades.)
Desde que foi instituída a
famosa Lei de Gérson, parece que tem sempre alguém querendo levar vantagem
encima do cidadão. O jogador Gérson, da seleção brasileira de futebol, nos anos
70 fez propaganda de uma marca de cigarros onde arrematava dizendo: "Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que
eu quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve
vantagem você também, leve Vila Rica!". A famosa frase, no decorrer dos
anos, assumiu uma conotação negativa, de malandragem, enganação e acabou
ficando no imaginário popular. O próprio Gérson arrependeu-se de ter feito o
anúncio e de ter seu nome associado a essa lei tortuosa, mas já era tarde: a
lei “pegou”.
Dizem
também que o mundo é dos espertos. Mas hoje em dia parece que só tem
esperto. É raposa comendo raposa. Ou há muitos espertos ou tem muito otário
achando que é esperto. Tem que tomar muito cuidado para não entrar na cadeia
alimentar dessa espécie nativa dos biomas brasileiros. Tenho a impressão que
até respirando o brasileiro é enganado. Acho que temos vocação pra isso.
Gostamos de enganar e de ser enganados e nos acostumamos a isso. Desde as
coisas mais simples do dia-a-dia até grandes temas que afligem a nossa
sociedade há aquela sensação sempre presente de estar sendo enganado.
No supermercado aquela
promoção convidativa sempre esconde uma data de validade por vencer. É
frequente também o preço do produto, ao passar pelo caixa, não conferir com o valor
que está na gôndola, culpa sempre de algum “esquecimento”. Quem se aventurar a
conferir todos os itens de suas compras, com certeza encontrará algum preço
errado. Sem falar nos truques baratos dos supermercados de colocar as próprias
moças operadoras de caixa para empacotar os produtos, numa ginástica
capitalista cruel. Um meio de economizar uns trocados, contratando menos
funcionários. Não raro o próprio cliente se solidariza com a situação e
empacota seus produtos. Levar até o carro, então, nem pensar. Afinal de contas,
tempo é dinheiro. Dia desses um grande supermercado estava com o açougue em
obras. Em meio a entulhos e poeira, os açougueiros cortavam alegremente as carnes.
A indústria não pode parar. A pergunta é: onde estava a vigilância sanitária?
Enquanto isso a Dona Maria não pode vender mais seu pão caseiro, de porta em
porta, porque não tem alvará nem licença.
As operadoras de celular,
campeãs em queixas, adotam práticas questionáveis, de colocar débitos na conta
de seus clientes, só que se esquecem de avisá-los. São “seguros” debitados à
revelia. Se o usuário não estiver atento, paga sem saber. E a sensação de ser
enganado continua. Ligue para a operadora para reclamar e ganhe vários minutos
escutando uma musiquinha até ser atendido por uma funcionária que não resolverá
seu problema. Outra prática comum é as lojas oferecerem seus cartões sem
anuidade, nem custo para seus clientes. Mas não é bem assim. Cada fatura emitida
vem com um custo embutido a título de manutenção. Experimente atrasar um dia
pra ver o tamanho da multa. Mais uma vez enganado.
O nosso querido país
também propicia distorções como o nosso sistema bancário. Você deposita seu
dinheiro, o banco investe, o usa para emprestar a outros clientes, cobra 12% de
juros e sua poupança rende a maravilhosa taxa de 0,5%. Lucro de 11,5%. Para o
banco é claro. Na situação inversa, o cliente que usar o famoso limite pagará
taxa de 12%. Ou seja, o banco lucra sempre. Para o cliente fica a sensação de
estar sendo enganado mais uma vez.
Pagamos uma das maiores
cargas tributárias do mundo. Pesquisas apontam que o brasileiro trabalha em
torno de quatro meses, por ano, só para pagar impostos. Pagamos pesadas taxas
para ter serviços públicos de excelente qualidade e não temos. Pagamos para ter
boas escolas, mas quem pode, paga escolas particulares, pois as públicas são
ruins. Pagamos para ter saúde pública e temos que pagar planos de saúde, por
conta do caos no setor. Pagamos para ter segurança pública e pagamos novamente
colocando muros, grades, cercas elétricas e alarmes nas nossas casas além de
muitos pagarem segurança patrimonial. Pagamos impostos ao comprar um carro e, anualmente,
temos que pagar o IPVA, senão não podemos rodar com o carro. Além disso, se não
pagar o pedágio não passa e se não pagar o parquímetro não estaciona. Se não
tem parquímetro, tem o “guardador de carros”. Os pedágios são para custear
investimentos nas rodovias. Mas já não foi pago nos impostos? Pagamos impostos
na gasolina e os motores fundem com o combustível adulterado. Lucro pra oficina
e prejuízo para o cidadão mais uma vez enganado.
Quando conseguimos comprar
ou construir um imóvel a duras penas, tem o IPTU anual pra morar em algo que já
foi comprado e pago. Sem falar no tal “asfalto comunitário” pago pelo morador
que já pagou para ter uma infraestrutura no seu bairro, mas que é obrigado a
pagar novamente. E a maioria paga sorrindo, pois “valoriza o meu imóvel”. Ou
anda no barro ou paga. Não fica aquela sensação de ser enganado?
O pneu fura no buraco da
rua. A trocar o pneu, todo sujo de graxa e barro, você ainda é assaltado. Então
você recebe uma mensagem no seu celular dizendo que você ganhou uma casa e dois
carros. Ao ligar pra casa para dar a boa notícia, sua esposa desesperada relata
que recebeu uma ligação dizendo que seu filho foi sequestrado e os bandidos exigem
o pagamento do resgate. O sequestro é falso. Pena que a mensagem da casa e dos
dois carros também é.
Não temos furacões,
tufões, tsunami, terremotos, nosso país é maravilhoso, mas, às vezes, é difícil
ser brasileiro. Brasileiro é que nem mãe: padece no paraíso.