sábado, 30 de novembro de 2013

A cultura do engano

(Obs: o contexto é Dourados-MS, mas acredito que se aplica a várias cidades.) 

Desde que foi instituída a famosa Lei de Gérson, parece que tem sempre alguém querendo levar vantagem encima do cidadão. O jogador Gérson, da seleção brasileira de futebol, nos anos 70 fez propaganda de uma marca de cigarros onde arrematava dizendo: "Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!". A famosa frase, no decorrer dos anos, assumiu uma conotação negativa, de malandragem, enganação e acabou ficando no imaginário popular. O próprio Gérson arrependeu-se de ter feito o anúncio e de ter seu nome associado a essa lei tortuosa, mas já era tarde: a lei “pegou”.
Dizem também que o mundo é dos espertos. Mas hoje em dia parece que só tem esperto. É raposa comendo raposa. Ou há muitos espertos ou tem muito otário achando que é esperto. Tem que tomar muito cuidado para não entrar na cadeia alimentar dessa espécie nativa dos biomas brasileiros. Tenho a impressão que até respirando o brasileiro é enganado. Acho que temos vocação pra isso. Gostamos de enganar e de ser enganados e nos acostumamos a isso. Desde as coisas mais simples do dia-a-dia até grandes temas que afligem a nossa sociedade há aquela sensação sempre presente de estar sendo enganado.
No supermercado aquela promoção convidativa sempre esconde uma data de validade por vencer. É frequente também o preço do produto, ao passar pelo caixa, não conferir com o valor que está na gôndola, culpa sempre de algum “esquecimento”. Quem se aventurar a conferir todos os itens de suas compras, com certeza encontrará algum preço errado. Sem falar nos truques baratos dos supermercados de colocar as próprias moças operadoras de caixa para empacotar os produtos, numa ginástica capitalista cruel. Um meio de economizar uns trocados, contratando menos funcionários. Não raro o próprio cliente se solidariza com a situação e empacota seus produtos. Levar até o carro, então, nem pensar. Afinal de contas, tempo é dinheiro. Dia desses um grande supermercado estava com o açougue em obras. Em meio a entulhos e poeira, os açougueiros cortavam alegremente as carnes. A indústria não pode parar. A pergunta é: onde estava a vigilância sanitária? Enquanto isso a Dona Maria não pode vender mais seu pão caseiro, de porta em porta, porque não tem alvará nem licença.
As operadoras de celular, campeãs em queixas, adotam práticas questionáveis, de colocar débitos na conta de seus clientes, só que se esquecem de avisá-los. São “seguros” debitados à revelia. Se o usuário não estiver atento, paga sem saber. E a sensação de ser enganado continua. Ligue para a operadora para reclamar e ganhe vários minutos escutando uma musiquinha até ser atendido por uma funcionária que não resolverá seu problema. Outra prática comum é as lojas oferecerem seus cartões sem anuidade, nem custo para seus clientes. Mas não é bem assim. Cada fatura emitida vem com um custo embutido a título de manutenção. Experimente atrasar um dia pra ver o tamanho da multa. Mais uma vez enganado.
O nosso querido país também propicia distorções como o nosso sistema bancário. Você deposita seu dinheiro, o banco investe, o usa para emprestar a outros clientes, cobra 12% de juros e sua poupança rende a maravilhosa taxa de 0,5%. Lucro de 11,5%. Para o banco é claro. Na situação inversa, o cliente que usar o famoso limite pagará taxa de 12%. Ou seja, o banco lucra sempre. Para o cliente fica a sensação de estar sendo enganado mais uma vez.
Pagamos uma das maiores cargas tributárias do mundo. Pesquisas apontam que o brasileiro trabalha em torno de quatro meses, por ano, só para pagar impostos. Pagamos pesadas taxas para ter serviços públicos de excelente qualidade e não temos. Pagamos para ter boas escolas, mas quem pode, paga escolas particulares, pois as públicas são ruins. Pagamos para ter saúde pública e temos que pagar planos de saúde, por conta do caos no setor. Pagamos para ter segurança pública e pagamos novamente colocando muros, grades, cercas elétricas e alarmes nas nossas casas além de muitos pagarem segurança patrimonial. Pagamos impostos ao comprar um carro e, anualmente, temos que pagar o IPVA, senão não podemos rodar com o carro. Além disso, se não pagar o pedágio não passa e se não pagar o parquímetro não estaciona. Se não tem parquímetro, tem o “guardador de carros”. Os pedágios são para custear investimentos nas rodovias. Mas já não foi pago nos impostos? Pagamos impostos na gasolina e os motores fundem com o combustível adulterado. Lucro pra oficina e prejuízo para o cidadão mais uma vez enganado.
Quando conseguimos comprar ou construir um imóvel a duras penas, tem o IPTU anual pra morar em algo que já foi comprado e pago. Sem falar no tal “asfalto comunitário” pago pelo morador que já pagou para ter uma infraestrutura no seu bairro, mas que é obrigado a pagar novamente. E a maioria paga sorrindo, pois “valoriza o meu imóvel”. Ou anda no barro ou paga. Não fica aquela sensação de ser enganado?
O pneu fura no buraco da rua. A trocar o pneu, todo sujo de graxa e barro, você ainda é assaltado. Então você recebe uma mensagem no seu celular dizendo que você ganhou uma casa e dois carros. Ao ligar pra casa para dar a boa notícia, sua esposa desesperada relata que recebeu uma ligação dizendo que seu filho foi sequestrado e os bandidos exigem o pagamento do resgate. O sequestro é falso. Pena que a mensagem da casa e dos dois carros também é.

Não temos furacões, tufões, tsunami, terremotos, nosso país é maravilhoso, mas, às vezes, é difícil ser brasileiro. Brasileiro é que nem mãe: padece no paraíso.